2. O Princípio da instrumentalidade das formas processuais

Para facilitar a exposição das idéias deste artigo, adotam-se conceitos operacionais simples e análogos[1] de garantias e direitos, inspirados em Jorge Miranda, citado por Paulo Bonavides: garantias sãos os instrumentos ou meios “[...]  de fazer efetivo qualquer dos direitos individuais [...] ”[2]. Essa dicotomia é referida, adiante, pelas expressões instrumentos/objetivos do Direito, direito processual/direito material, meios/direitos.

Segundo a moderna teoria das nulidades processuais, todo ato processual é válido, independentemente de eventual defeito de forma, se  o objetivo tiver sido alcançado. Como ensinam  Cintra, Grinover e Dinamarco, “[...] o que interessa, afinal, é o objetivo do ato, não o ato em si mesmo.”[3]  Essa diretriz se traduz no princípio da instrumentalidade das formas[4]
No direito continental europeu, estatutário,  esse princípio ganhou expressão no famoso adágio pas de nullité sans grief.  No direito norte-americano, de origem consuetudinária, a mesma idéia de subordinação da forma aos objetivos exprime-se na teoria  fundamental constitucional denominada substantive due process[5].  

O princípio da instrumentalidade das formas perpassa a disciplina teórica do processo e marca bem o caráter instrumental deste, em cada um de seus atos ou como um todo.  O processo é  meio de atuação na direção dos fins e não um fim em si mesmo.  Há uma clara subordinação hierárquica, portanto, dos meios em relação aos fins e essa é a leitura do princípio da instrumentalidade que importa a este artigo:
                    
                                Instrumentalidade                           Ponderação


Pondo-se numa perspectiva de confronto de forças, que aqui interessa particularmente, vê-se que a instrumentalidade exprime uma idéia de força-fraca das formas, que cede diante da força-forte dos objetivos do Direito.  Disso se assentou que (i) a forma não tem força para legitimar o resultado, ou seja, do rigor da forma não decorre a validade do resultado[6] e (ii) o descumprimento da forma, não vedado expressamente,  não invalida o resultado se esse se compatibiliza com o esperado pelo Direito.



[1] “Noção que se aplica a vários sujeitos em um sentido nem totalmente idêntico nem totalmente diferente.” JOLIVET, Régis.  Curso de filosofia.  15.ed. Rio e Janeiro:Agir, 1984. p. 266.
[2] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, p. 483.
[3] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, et al.Teoria Geral do Processo. p. 343.
[4] Cintra, Grinover e Dinarmarco tomam a instrumentalidade em sentido positivo e negativo. Aqui ele está tomado pela acepção negativa. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, et al .Teoria Geral do Processo, p. 41.
[5] Sobre o sentido doutrinário da expressão, ver, entre muitos outros: NOWAK, John E.; ROTUNDA, Ronald D. Constitucional law. 17.ed. Saint Paul:West Group,  2004,  capítulo 11,  p. 432-548.
[6] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, et al.Teoria Geral do Processo, p. 41: o processo “[...]  não deve, na prática cotidiana, ser guindado à condição de fonte geradora de direitos.” Essa visão, atual, contrapõe-se à visão positivista “denunciada” por LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Tradução de Maria da Conceição Côrte-Real. Brasília:UnB, 1980.